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"œVida de juiz não é nada fácil", diz Thiago Brandão, presidente da Amapi

Em entrevista exclusiva ao Portal O DIA, Thiago Brandão se manifestou sobre as críticas que o judiciário tem sofrido e defendeu os benefícios do judiciário.

26/02/2018 14:07

O juiz Thiago Brandão, presidente da Associação dos Magistrados do Piauí (Amapi), concedeu entrevista exclusiva ao Portal O DIA e se manifestou sobre as críticas que o judiciário tem sofrido em âmbito estadual e nacional. “Vida de juiz não é nada fácil.  Ele nunca agrada a todos e nem deve. O juiz é o servidor público pago para aplicar a lei”, defende.

No Piauí, geraram questionamentos da sociedade decisões recentes de concessão de liberdade provisória para acusados de crimes com grande repercussão. É o caso do grupo supostamente envolvido na morte do cabo do Bope Claudemir Sousa; do ex-tenente do Exército José Ricardo da Silva Neto, assassino confesso da estudante Yala Lima; e de Dorival Ferreira de Almeida, acusado de matar o funcionário do Comercial Carvalho, Sidivaldo Bacelar, por motivos passionais.

Thiago Brandão, presidente da Amapi. (Foto: Divulgação/Amapi)

Segundo o presidente da Amapi, o juiz não pode manter presa uma pessoa somente pelo temor de alguém. “A população critica muito a decisão judicial, diz que o juiz não pensou. Mas, às vezes, o que está sendo cogitado, não ficou em nenhum momento provado nos autos”, justifica Brandão.

O magistrado ainda defendeu o auxílio-moradia e os benefícios do judiciário. “Tem havido uma campanha orquestrada para expor a magistratura. Isso porque ela está fazendo seu trabalho da forma correta, está incomodando quem historicamente não era incomodado”, afirma.

Confira na íntegra:

O que torna uma prisão ilegal?

De acordo com nosso sistema processual penal, existe a regra e a exceção. Tradicionalmente, a regra é que só pode haver prisão quando alguém for considerado culpado pela prática de um crime, ou seja, quando houvesse a sentença judicial com trânsito em julgado. De uns anos pra cá, o STF entendeu de forma diferente, que também se admite a prisão quando alguém é condenado por um juiz e essa condenação venha a ser confirmada por um Tribunal. Esse foi um entendimento recente e até comenta-se que seja revisto. 

Mas existem as exceções, que são as prisões provisórias. São situações que a própria lei determina que as pessoas fiquem presas, mesmo não tendo sido condenadas, porque ela solta é perigosa para a população. Existe um interesse público, maior do que o interesse individual. 

A partir do momento em que o juiz decreta a prisão provisória, o processo passa a tramitar em caráter prioritário, porque como é exceção, é preciso ser rápido para elucidar o crime. Quando o processo não consegue ser finalizado nesse prazo determinado pela legislação, diz-se que a prisão passa a ser ilegal. 

O prazo não é tão simples, mas se pudéssemos estipular, seria 90 dias para encerramento de todo o processo criminal. São 30 dias é para encerrar a primeira fase, que é o inquérito policial e o juiz não participa. 

As pessoas costumam colocar a culpa de um processo não terminar no tempo ideal, somente no juiz, mas isso não é justo. Existem situações que a audiência tem que ser adiada. Existem prazos previstos em lei, o caminho normal que o processo tem que trilhar. Não está na vontade do juiz.

Que tipo de acusado é considerado um risco à opinião pública?

Primeira situação, que é mais comum, é quando essa pessoa já foi considerada culpada pela prática de outros crimes e volta a praticar. Ela não consegue viver em comunidade e em harmonia se não ofendendo o direito dos outros. Então ela é perigosa para a sociedade.

Existe a situação também que aquela pessoa que tava acompanhando o processo em liberdade começa a querer influir no resultado do processo, ameaçando testemunha, fugindo com provas, tentando se evadir. Ela está demonstrando que não consegue esperar o julgamento em liberdade. Quando essas pessoas estão respondendo a um processo em liberdade, elas sabem exatamente o que podem e o que não podem fazer e estão sujeitas a serem presas.

É possível que o acusado não ofereça risco à opinião pública, mas a uma pessoa específica. Nesses casos, é prudente conceder a liberdade provisória?

A população critica muito a decisão judicial, diz que o juiz não pensou. Mas, às vezes, o que está sendo cogitado, não ficou em nenhum momento provado nos autos. Quando uma coisa não tem prova e nem indício, o juiz não pode levar em consideração apenas o mero temor de uma pessoa.

Isso é importante dizer, porque a gente ouve muito manifestação popular e até da imprensa tentando demonizar. A decisão judicial não é tomada apenas pela vontade do juiz. Precisa ter fundamentação. Não estou dizendo que não existam decisões absurdas, mas essas são mais fáceis de serem revistas em uma instância superior. 

Thiago Brandão, presidente da Amapi. (Foto: Divulgação/Amapi)

Por outro lado, existem as críticas em relação às pessoas que estão presas há muito tempo e não são julgadas, nem conseguem liberdade provisória. Por que isso ocorre?

Vida de juiz não é nada fácil. Se deixa uma pessoa presa, erra porque deixou preso quem é inocente. Se solta, erra porque está soltando quem cometeu um crime. Ele nunca agrada a todos e nem deve. O juiz é o servidor público pago para aplicar a lei.

Às vezes a prisão provisória demora tanto que toma ares de prisão preventiva. O juiz tem que reavaliar a necessidade da prisão em cada fase do processo. Tanto que os juízes que não fazem isso, o corregedor está autorizado a abrir um procedimento e investigar o que está acontecendo.

O sistema judiciário precisaria ser revisto para evitar toda essa demora na conclusão dos processos?

Vou dar a minha visão pessoal, e não da entidade que presido. Os crimes dolosos contra a vida são de competência do Tribunal do Júri. A grosso modo, o procedimento começa na delegacia. Existe um prazo para o inquérito ser concluído e depois é remetido ao Ministério Público, que se achar que há elementos, denuncia a pessoa ao juiz.

Na lei atual existem duas fases quando o processo chega para o juiz: a primeira, que ele faz a admissibilidade da acusação. Existe uma série de fases processuais que termina com a decisão de pronúncia. Todas as provas colhidas no inquérito têm que ser confirmadas. Se o juiz tiver convicto que a opinião do delegado, confirmada pelo promotor de justiça deva ter elementos suficientes para aquela pessoa ir a julgamento no plenário, ele pronuncia o acusado. 

Essa decisão de pronúncia é apenas para dizer que há indícios de que o crime foi praticado. Contra essa decisão, cabe um recurso, que é o efeito suspensivo. O processo para até que seja analisado aquele recurso. E tome um tempo maior! Analisado o recurso, vem a segunda fase, que é o julgamento em plenário. E todas as provas colhidas devem ser confirmadas novamente. Há uma segunda instrução no processo. 

Ou seja, do jeito que o procedimento está tratado na lei, o tempo entre o fato e o julgamento do plenário é muito grande, a ponto de tornar o réu vítima e a vítima ré. Isso é muito explorado em julgamento em plenário.

Eu acho que a legislação deve ser reavaliada. Já que vai haver uma segunda instrução do processo em plenário, quem sabe não deveria enxugar a primeira fase, que apenas vai averiguar a mínima admissibilidade do processo?

Em que circunstância o réu vira vítima em processos muito longos?

Os crimes passionais, por exemplo, chocam muito a sociedade no momento em que é praticado. Com o passar do tempo, no caso em que a vítima falece, quanto mais se distancia o fato do julgamento, as pessoas tendem a tratar o réu com certa pena, porque já cumpriu boa parte da prisão. O réu ainda pode dar sua versão e a vítima não está mais lá para dar a sua. Então se coloca a vítima como sendo responsável pela prática do crime. Essas distorções podem ser agravadas com o tempo.

O jurado, formado por pessoas do povo, está autorizado a votar por sua íntima convicção. O júri é soberano. Há quem diga, inclusive, que se o júri proferir uma decisão não cabe recurso. É importante ressaltar a importância do Tribunal Popular do Júri. É a hora que a sociedade vem para cumprir a função do juiz. 

Os magistrados também têm sido muito criticados pelos benefícios que recebem, principalmente o auxílio-moradia? Como o senhor analisa essas críticas?

Primeiro que a magistratura não está imune. Devamos sofrer críticas, compreendê-las, mas quando considerarmos injustas, devemos respondê-las. 

Um magistrado não escolhe quanto recebe de remuneração. Quem escolhe é a lei, assim como as demais carreiras jurídicas e do serviço público. O auxílio-moradia, que sofre ataque da opinião pública, ele tem previsão na lei, em uma decisão do STF e em regulamentação do CNJ. Então, não há por que não se receber, nesse momento, essa verba de natureza indenizatória, porque ela tem previsão legal. 

O que a gente compreende em torno de muitas dessas críticas é que, infelizmente, por vários canais, tem havido uma campanha orquestrada para expor a magistratura. Isso porque ela está fazendo seu trabalho da forma correta, está incomodando quem historicamente não era incomodado.

O auxílio-moradia é recebido por várias categorias, mas na mídia só se fala dos juízes. Por que será que não se fala de outras carreiras que recebem benefício tão ou mais caros do que esse da magistratura? Será porque agora a magistratura está consciente do papel que pode desempenhar numa mudança de paradigma moral do país? Eu deixo a pergunta.

Por: Nayara Felizardo
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